6 de janeiro de 2012


"ESPELHO QUEBRADO..."

Editora: Clube de Autores.
1ª Edição, 2011.
ISBN: 978-85-912892-1-9
Nº de páginas: 266
Sinopse: 

Por vezes, nos deparamos com situações na vida que jamais imaginamos e muito menos estamos preparados para enfrentá-las, restando-nos somente à resignação, como é o caso desse drama. 
Um drama que narra à vida e o cotidiano de uma senhora de idade já bem avançada, viúva, que mesmo rodeada dos filhos, nora, genros e netos se sente solitária, inconveniente, tendo a constante sensação de estorvar incomodando os mais jovens. E a razão disso, é que por infortúnio, por contingências e percalços da vida deixou de ter o cantinho dela, onde pudesse ser e agir como bem quisesse, sem ter que ser como que amparada vivendo ora na casa de um e ora na casa de outro. O fato de revezarem entre eles, – os filhos – lhe dando guarida, é mais do que do suficiente para entristecê-la, exaltando as lembranças trazendo fortes recordações do passado...
Recordações de quando jovem vivia feliz e contente no sítio de seus pais, e depois dela – filha única. Um sítio maravilhoso onde criava e plantava de tudo, no qual, além de viver livre, independente, sem precisar pedir nada a ninguém, podia trabalhar sempre contente e realizada... Mas que, desafortunadamente, o último marido por negócios malfeitos acabou perdendo, tendo que agora se sujeitar a viver aqui e ali, não se sentindo mais como antes, quando vivia de forma esplendorosa...
São recordações que lhe trazem muita, muita saudade, mas que perderam seu encanto como um espelho quebrado... 


Primeiras páginas.

Capítulo Um 

                Com o barulho da água da torneira, dos copos a baterem uns nos outros, do tilintar dos pratos e dos talheres nas mesas, o murmurinho das conversas; na pia atrás do balcão, entretida, lavando o que já foi usado, – tenta, de alguma forma, ajudar as filhas e a nora que tocam um pequeno restaurante. 
                Espaço pequeno, – poucas mesas; um balcão na extensão da parede dos fundos e, atrás deste, por uma porta, a cozinha; na frente, duas portas dão acesso pra rua, – ambiente simples, sem luxo...  
               Já passa pouco da hora de almoço, e o entra e sai das pessoas diminuiu, – o movimento não é mais como o de horas atrás; mas ainda têm alguns por lá ocupando as mesas e sendo servidos; sozinha, atrás do balcão, tentado ser útil e ajudar lavando a louça, – se distrai vendo as pessoas. 
        De onde está pode ver, na rua, as pessoas que pela calçada passam, os carros; muito movimento...
                 Um senhor entra e encosta-se ao balcão; em pé, espera ser atendido...
             Percebe que estão todas ocupadas; é uma oportunidade de, além de se mostrar útil, poder ajudar efetivamente atendendo a pessoa, – era raro isso ocorrer e, sem demora, vai atender. 
                  — Pois não! – disse ela.
                  — Boa tarde! A senhora, por favor, pode me servir um café! – falou o homem.
                  Sem responder, vai buscar pires e xícara; segundos mais, enquanto serve, ouve o homem.
                  — Que calor faz hoje! A senhora não acha?
                  — É sim ! Está muito quente hoje! – respondeu.
                  — Mais à tarde, acho que chove! – comentou o homem.
                  A pessoa lhe parece culta, fina e educada; um homem não muito jovem, – de meia idade e boa aparência; a conversa lhe atrai e, na frente dele, por trás do balcão, fica observando tomar o café e puxar conversa.
                 O movimento dos carros e das pessoas pela rua é grande e faz o homem comentar:
                 — Nossa, como essa cidade cresceu!
                Ela não diz nada, esboçando sorriso, continua prestando atenção no que o homem fala.
                — Pelo jeito, acabou o sossego por aqui também! – disse o homem sorrindo. Mas com tanta gente nesse mundo! Só podia ser assim mesmo! Faz um bom tempo que aqui não venho, e noto que a cidade não é mais a mesma!
                A cidade, um município limítrofe, quase um bairro da grande metrópole, que no passado, até podia ser considerada uma cidade de interior, com seus sítios, fazendas e chácaras circundando o centro de poucas ruas e casas.
                — Lembro até com saudade do caminho até aqui! Era só mato! Tinha muito verde! Hoje só se vê construção e muito pouco verde! – comentou o homem. Mas, fazer o que?... É o progresso!
                Terminando o café, o homem olha curioso pra uma travessa sobre o balcão: um bolo semi-cortado.
               — É bolo de fubá? – perguntou o homem.
               — Não! Não é de fubá! É bolo de milho! – respondeu ela.
               — De milho?... Mas parece ser de fubá! Parece ter uma textura fina, e de milho, pelo que sei, é com textura grossa.
               — Sim, é verdade! Mas esse é feito só de milho! É uma receita nossa! – disse ela.
               — Ah!... Vocês é que fazem?... – exclamou admirado.
               — É feito por nós, sim! É uma receita da minha mãe! – respondeu conotando até orgulho ao falar da mãe, – sorrindo como quem tem prazer.
               — Não me diga?... – exclamou o homem. Pelo jeito deve ser bom mesmo! Acho que vou experimentar! A senhora me serve uma fatia?
               Ela não espera um segundo e já vai fatiando o bolo e servindo, e o homem de imediato põe na boca mastigando; agradado pelo sabor, fala de boca cheia:
              — Nossa!... Como é gostoso!... É muito gostoso mesmo! Como é feito? Estou curioso!
              Por ouvir o homem se expressar tão agradado e também por lembrar-se da mãe e de como é feito, – o que lhe traz, além da saudade da mãe, lembranças boas da juventude, responde externando mais orgulho ainda.
              — Ralamos as espigas, e o caldo ralado é peneirado para tirar as cascas. Só usamos essa massa líquida e rala do milho; juntamos um pouco de fermento, açúcar e assamos! 
             — É realmente, muito bom! – comentou o homem mastigando, e de boca cheia continua. Hoje em dia é tudo industrializado, e o sabor deixa a desejar!... É raro ver venderem um bolo caseiro! Eu, pelo menos, não tenho visto!
          Enquanto o homem fala, sorri de satisfação, não só pelo jeito espontâneo e engraçado do homem, pois, além disso, tem motivos de sobra, há tempos não conversava assim com alguém, há tempos não lhe davam devida atenção, ao menos como estava recebendo naquele momento.
             Ela é notada junto ao balcão em frente ao homem, e se encaminha até ela uma moça; curiosa ou talvez preocupada vem saber se precisa de ajuda e encosta-se a ela, falando com o homem:
             — O senhor já foi atendido? – perguntou a moça ao homem. Desculpe a falta de atenção, mas a correria é muita...
             — Não se preocupe! – disse o homem. Já fui atendido, sim! E muito bem por essa senhora! – respondeu pra moça e vira pra ela. A conversa está tão absorvente que nem perguntei o seu nome, desculpe!
             Mostrando até preocupação de que ela possa estar fazendo algo que não agrade ao cliente, antes que ela responda, a moça se antecipa.
             — O nome dela é Adelaide! É nossa avó! Às vezes vem até aqui passear! Distrair um pouco, o senhor saber! Espero que esteja sendo bem atendido! O senhor deseja algo mais?
             O homem percebe a expressão da moça e responde:
             — Não se preocupe, estou sendo muito bem atendido! E com muita gentileza por sinal! Estou adorando esse bolo! A sua avó me explicava de como é feito. Não tinha ainda provado nada igual! É muito gostoso!.. Vou até querer levar um bom pedaço pra casa. – disse isso e ao invés de pedir à moça, olhando pra ela, pede outro café. O que, claro, lhe enche de orgulho e satisfação; rapidamente, apesar dos apelos da moça, vai até afoita buscar o bule para servir, seguida pela moça e ouvindo.
             — Deixa que eu pego, vó! – disse a moça.
             — Não se preocupe! Eu vou servir! Pode deixar! – falou ela toda decidida, pois era uma oportunidade rara e única, ainda mais pelo fato homem ter induzido que queria ser servido por ela.
             As duas saem e o homem fica observando; nota que a mulher caminha com certa dificuldade, conotando ter algum problema nas pernas.
             Dali a instantes, outra vez, sorridente, cheia de prazer, vai servindo o café e ouvindo o homem.
             — A senhora é daqui?
             — Sou! Sou nascida e criada aqui!
             — Então deve, mais do que ninguém, sentir como a cidade mudou! Não é?
             — É sim! – disse ela. Mudou mesmo! Cresceu muito! Têm muito mais pessoas e quase não se conhece mais ninguém!
             — E não devia ter esse movimento louco como hoje! Não é? – disse o homem rindo.
             — Não tinha mesmo! – respondeu ela sorrindo. Antigamente, num dia como hoje, ainda mais com o calor que está fazendo, o centro parecia morto, não tinha ninguém pelas ruas.
             Depois que ela fala, ficam, por momentos, calados; ela pas-sando um pano no balcão e o homem com a xícara na mão olhando o movimento na rua, pensativos... Curiosa, como querendo agradar e continuar a conversa, acaba quebrando o silêncio.
             — O senhor, pelo que entendi, não mora por aqui! Mas o que lhe traz?
             — Estou tentado fazer negócios com uma firma daqui! Por isso, vim pra cá hoje! – respondeu e completa:
             — E a senhora, pelo que vejo, trabalha aqui?
             — Não!... Não trabalho não!... Venho quando me trazem! E não venho sempre! – respondeu em tom desaminado conotado por frustração.
             Depois que fala, outra vez se calam, – o homem parece pensar; dali a pouco vira pra ela.
             — Notei que a senhora caminha com dificuldade!
             — Pois é! Tenho problema de circulação nas pernas!
             — A senhora sabe, para quem tem problemas de circulação, não é bom ficar muito tempo em pé! Não sabe?
             — Sei sim! Mas meu médico recomendou andar bastante, por isso, às vezes, venho pra cá! Aqui, apesar de ficar em pé, ando um pouco e também me distraio com as pessoas! – respondeu com o semblante induzindo que não é bem quista por ali, – parecendo se lamentar quando fala. 
             — A senhora vem sempre? – perguntou o homem ao notar o jeito lamurioso que ela fala.
             — Não é sempre! Gostaria de vir mais! Mas não me trazem! – respondeu esfregando o pano sem sentido sobre o balcão, e se mostrando desiludida.
             — E por que, não lhe trazem?
             Não responde de imediato, continua esfregando o balcão, sem nenhum sentido, pra cá e pra lá, cabisbaixa e de semblante pesaroso, – nitidamente pensando; em seguida suspira, olha para o homem e responde se lamentando:
             — O senhor sabe como são os jovens! Acham que nós, os mais velhos, atrapalham! 
             Adelaide, mulher de idade avançada, – passando dos oitenta; viúva, apelidada e pelos mais íntimos chamada por Ade. Morena de estatura média, gorda, pele clara, cabelos compridos, lisos, grisalhos e cuidadosamente trançados; trança de um só lado da cabeça, comprida e indo bem abaixo da altura dos seios e, na extremidade, presa por uma pequena fita azul clara. Feição delicada, rosto pequeno, emoldurado por olhos negros, vivos e amendoados, sobrancelhas bem cuidadas, nariz afilado, boca pequena de grossos lábios rosados, cútis de pele lisa e poucas rugas; demonstrando claramente sua descendência de caiçara pelo sotaque puxado e fala cantada. Vestida, em cores escuras; com saia rodada comprida e blusa larga; transmitindo segurança pelo semblante sereno e o olhar de boazinha...
             — Bom, dona Adelaide, já é tarde e devo ir! Foi um prazer conversar! – disse o homem paga a conta e vai saindo.
             Adelaide, com dinheiro na mão, fica observando o homem sair do restaurante, até que, no meio das pessoas pela calçada se mistura e desaparece... Momento depois, depois de entregar o dinheiro à neta, volta e continua com os cotovelos no balcão e as mãos no rosto apoiando a cabeça, olhando pra fora – olhando pra rua, distraída; tão absorta que até se assusta quando ouve ser chamada. 
            — Mãe!... Antônio chegou e vamos levar a senhora! – uma delas, varrendo o chão, disse a ela em tom alto.
            Ao ouvir suspira fundo, – suspira em lamento. Não tem a mínina vontade de ir, é obrigada. Depende já há tempos da vontade das pessoas e não mais da dela. Mas fazer o que? Deve obedecer como uma criança obediente... Fazer o gosto de todos...      

Capítulo Dois

             No carro, sentada no banco detrás, sentindo-se como uma criancinha, lá vai ela olhando os caminhos por onde passa, – olhando por olhar. Seus pensamentos estão longe dali e das conversas que ouve, nem sequer presta atenção, mas também pudera, não falam com ela. Vão os dois na frente, – filha e genro – conversando como se ela não existisse...
             Sente os solavancos do carro, – muito buraco nas ruas; freadas bruscas que a jogam pra frente e irritam tirando cada vez mais a paciência; o ar quente abafado e irrespirável dentro do carro; o banco apertado e duro que lhe doe as costas; o movimento frenético de carros; o som estridente das buzinas; as pessoas indo e vindo pelas calçadas num caminhar interminável, nem mesmo isso tudo, lhe distrai ou chama a atenção, está com os pensamentos voltados e concentrados na conversa que teve com aquele homem...
            Tem, depois da conversa que avivou sua memória, a visão da diferença das coisas...
            “Engraçado!” – pensa. “Antes passava por aqui e nem notava como tudo mudou. Não prestava atenção. Era tudo terra, e hoje é só asfalto. Onde era só mato, quanta construção...”
            Numa rua lembra o que havia, noutra o que era, e agora só enxerga mudanças, – muita mudança, tudo muito diferente. E a analogia das diferenças já faz bater uma imensurável saudade...
      
           Dali a pouco, param no farol. Esperando abrir, ela vê na esquina um prédio onde era a mercearia do turco Nassif, – daquelas antigamente ditas de secos e molhadas, onde o seu primeiro marido, depois do trabalho na roça, costumava ir e ficar bebendo com os amigos. Já não é mais uma mercearia, mas tem a nítida impressão de ver em frente a mula amarrada e lá dentro, encostado ao balcão, ele, como quase sempre, se apoiando pra não cair de bêbedo.
            O farol abre, e o carro sai; com a lembrança do ex-marido, começa a rir...
            O riso chama a atenção da filha.
            — O que foi mãe? Por que está rindo?
            O marido nem deixa responder, olha pra ela pelo espelho retrovisor rindo claramente zombando, se dirigindo a filha.
           — Dora, tua mãe deve estar voltando a ser criança, pra rir assim sozinha. Pra não dizer outra coisa!
           O que ouve doe e nem espera a filha falar; olha também de viés pelo espelho, comentando:
           — Pode ser sim! Talvez eu esteja ficando gagá! – disse ela em puro tom de lamento. 
           — Não, não foi isso que diz dizer! – disse o genro tentando se explicar.
           — Eu sei... Eu sei... – disse ela em tom desolado de rosto virado pra janela do carro, e continua a olhar tudo sem ver, – muito compenetrada e pensativa.
    
        Já há muito tempo se sente um peso, – um estorvo pra todos; sente que fazem as coisas pra ela como por obrigação e, com isso, não se sente nada bem é evidente. Sabe que incomoda e que até atrapalha a vida dos mais jovens... 
Não é o que gostaria, em absoluto. Gostaria sim, é de voltar a ser o que era, e poder fazer aquilo que lhe agradasse e quando quisesse; tentar, ao menos, realizar seus desejos e vontades...

4 comentários:

Elaine Martins disse...

Oi ja estou participando do seu blog gostei muito! parabéns pelos livros li algumas sinposes e adorei!

Lara E. disse...

Oii! Primeira visita aqui no blog...
Gostei muito da capa e sinopse do livro!
Nossa, quantos livros vc ja escreveu! *-*
Parecem ser ótimos.
Bj,
Lara E.
http://naspaginasdeumlivro.blogspot.com/

Mundo de Carla disse...

Que linda capa de livro...
Passei hj para conhecer,mas volto para ler...

Unknown disse...

Parabéns, J.R.VIVIANI
Uma jóia de obra literária...
Escrever livros não é para quem quer, e sim, para quem tem dom.
E disso não tenho dúvidas, vc tem!
Portanto, continue escrevendo!
Obrigado por seguir meu Blog: JISOHDE FOTOGRAFIAS.
Conheça outros blogs meus:
ORNITOLOGIA - http://ornitologia-2012.blogspot.com.br/
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São temas diversificados.
GdeABço.
Jisohde G. Posser - 120413 20.25