1 de setembro de 2012

Meus Contos:

 
Olá caras amigas e amigos, pra vocês, outro Conto de minha autoria que espero lhes agrade.


 


Há anos atrás, como a maioria sabe ou pelo menos já ouviu falar, em função dos parcos e raros recursos de medicina existentes e disponíveis, mormente nos cafundó dos rincões mais remotos pelo nosso país afora, era comum às pessoas mais humildes buscarem ajuda fora da medicina para curarem os males que as acometia ou acometia aos seus.
Buscavam ajuda para a cura de males de toda ordem, que iam desde doenças contagiosas, doenças orgânicas, traumáticas causadas por acidentes, doenças de fundo psicológico e outras tantas...
Para isso, – para se curarem, contavam com a ajuda dos chamados benzedores ou benzedeiras: pessoas benévolas e abnegadas que, com devoção e fé, realizavam verdadeiros milagres através de benzimentos e orações, ministrando, na maior da parte das vezes, infusões de ervas, aplicação de pomadas e coisas mais.
Era incrível, por vezes inacreditável, ter conhecimento ou constatar a cura de doenças que esses benzedores realizavam, e sem o menor interesse financeiro, – atendiam a todos sem exceção, e não cobravam nada, faziam por caridade e fé religiosa, com isso, eles eram, além de respeitados, considerados como verdadeiros Santos fazendo exaltar a fé e a crença das pessoas ainda mais.
Por incrível que pudesse parecer, existiam também outros benzedores – muito acreditados – que não cuidavam de pessoas e sim de animais, – benziam animais, principalmente gado leiteiro.  
Numa dada região do sul de Minas Gerais, local onde existiam muitos produtores de leite espalhados por muitas cidades, havia um senhor muito procurado para benzer as vacas leiteiras quando eram acometidas por um mal chamado de “figueira”.
Quando uma vaca era acometida por essa doença, apresentava em torno do úbere uma série de pontos calosos exatamente como “verrugas”, que eram, apesar da cor acinzentada, de superfície rugosa parecendo “figos” amontoados uns aos outros, daí o nome: “figueira”.
Quando era em torno do úbere, não era muito problema, entretanto, quando era nos tetos – o que normalmente acontecia – a coisa complicava, pois essas verrugas eram delicadas e a todo toque durante a ordenha sangravam provocando dor ao animal e, em consequência, queda na produção do leite causando muito prejuízo.
Tratava-se de uma doença contagiosa provocada por um “fungo”, – uma bactéria. A falta de higiene durante a ordenha transmitia de uma vaca pra outra essa bactéria, que se não fosse cuidada adequadamente, passava para todas com muita facilidade, mas a maioria desconhecia esse fato e continuavam suas ordenhas sem maiores cuidados. Porém, esse mal era preocupante, pois afinal os produtores dependiam da produção do leite para viver; além disso, além de terem redução na produção, se não tratada, podia provocar a perda da vaca pelo grau e severidade da infecção.
Com isso, não havia produtor na região que desconhecesse esse senhor, – esse benzedor.  O duro era convencê-lo ir até à propriedade, e levar a vaca até ele era impraticável – quase impossível. Duro pela simples razão do homem ser muito procurado e ademais, ser uma pessoa sistemática, de difícil trato, – entojado por assim dizer.
Como o homem não cobrava, era um dilema convencê-lo dar atendimento, obrigando usar de todas as artimanhas: oferecer condução, oferecer almoço, oferecer ajuda no que fosse, e assim ia... Todavia, quando o homem resolvia dar atendimento era uma verdadeira festa...
Quando o homem chegava à propriedade, não falava praticamente nada, pra não dizer nada; cumprimentava a todos e nada, além disso, e ficava calado olhando sério, observando os animais. Em seguida, entrava no meio do rebanho e com a mão na anca dessa e daquela vaca, benzia rezando em voz baixa – só pra ele, e depois sim falava: mandava lavarem o úbere com uma infusão de ervas por dois ou três dias seguidos. E aí o milagre acontecia: todas as verrugas simplesmente caiam deixando o úbere da vaca ileso.
Muitos, por não serem tão religiosos, punham até dúvida se era, realmente, força de algo Divino ou se era fruto da ação da infusão das ervas agindo como antisséptico e bactericida. De qualquer forma, se davam por satisfeitos e agradecidos por verem suas vacas livres do mal.
Quando não era a “figueira”, outro mal atacava as vacas impiedosamente: os carrapatos. As vacas ficavam com as partes baixa, – principalmente o úbere, infestados pelos carrapatos, provocando até febre no animal. Mas, contra carrapatos, aquele senhor não fazia benzimento, – não era o “negócio” dele.  
Entretanto, pra isso, havia outro benzedor e com uma grande diferença: esse era muito fácil levá-lo à propriedade, pois ao contrário do outro, esse cobrava pelo atendimento e cobrava por vaca que atendia.
Um sujeito falador, extrovertido, brincalhão; bastava chamá-lo que logo cedo ele aparecia e por lá, parecendo ter prazer, ficava o dia todo, aproveitando do almoço, do café da tarde e muitas vezes até do jantar e, invariavelmente, tomando “todas”, – chegava a secar as garrafas de pinga de tanto que bebia. 
Toda vez que aparecia para fazer o “tal” benzimento, trazia consigo algumas garrafas com um líquido por ele tido como milagroso... Líquido que todos ignoravam, mas ninguém perguntava o que era, talvez, para não transparecer petulância ou desrespeito e também porque que funcionava mesmo...
Era de surpreender o que esse homem fazia, – todos ficavam boquiabertos, abismados. Depois de banhar as vacas com o “tal” líquido na região do úbere ou onde houvesse, os carrapatos simplesmente caiam mortos deixando as vacas completamente livres dos “bichos”, conotando ser um verdadeiro milagre...                  
Um dia, porém, num certa propriedade, o homem de tão empolgado pela bebida, – pra não dizer bêbado, no fim de tarde depois do atendimento de muitas vacas e de receber o “dele”, foi embora e esqueceu uma das garrafas com um pouco do líquido “milagroso”.
O filho do proprietário, um jovem curioso, descrente e até atrevido, não teve dúvida e, disfarçadamente – sem que ninguém visse, pegou a garrafa pra matar a curiosidade. Quando viu a cor e a viscosidade, teve impressão de já ter visto algo parecido... Matutou daqui, matutou dali e chegou à conclusão que se tratava de um líquido muito parecido com o detergente que sua mãe usava pra lavar louça.
No dia seguinte, sorrateiramente, pra se certificar, procurou entre as vacas aquela que ainda tivesse carrapato, mas não usou o líquido da garrafa do homem, usou o detergente da sua mãe, e pra surpresa constatou: os poucos carrapatos morreram no instante que passou o detergente.
Estava assim, além da novidade da ação do detergente, descoberto o grande charlatão, o “cara de pau”, muito esperto, criativo e falso benzedor...
J.R.Viviani

* * *