15 de julho de 2012

Meus Contos:


Segunda parte do:




Manoel saiu e ele ficou matutando.
“O que será que almejam?... Não estou vendo nada que justifique uma greve, ao contrário, a empresa está criando novos empregos e dando muitas oportunidades. Onde querem chegar com uma greve? Não sei não, está tudo muito estranho! É!..., muito estranho...”   
Momentos mais, uma balburdia incrível tomou conta do setor dele com um amontoado de operários entrando aos gritos, forçando e ameaçando todos a parar de trabalhar; no meio dos tantos, ele viu um membro do sindicato acompanhando os demais e, mesmo sem conhecê-lo, – conhecer só de vista, foi questioná-lo.
— Ô meu!... O que vocês estão fazendo?
— Uma greve, não está vendo? – disse a pessoa.
Antônio Carlos já falou enfezado:
— Claro que estou vendo!... Não sou cego e nem surdo!... Pergunto por que estão fazendo?
— Ora! Isso eu não sei.
— Como não sabe?... Tá louco? Tá aderindo à greve e não sabe por quê? Que negócio é esse?
— Ah, sei lá?... Os caras pararam e eu também parei. Pergunta pro pessoal do sindicato, eles estão aí pelo meio.
Com a resposta ele começou rir; achou muito engraçado, no mínimo curioso, o cara não saber e aderir à greve, aquilo era, pra ele, uma demonstração clara de burrice, mas fazer o quê? Não tinha o que fazer e muito menos elucidar suas dúvidas. Porém, enquanto os que agitavam a greve saiam indo para outros setores, ele ficou pensando com seus botões, estranhando o fato de haver gente do sindicato dentro da fábrica.       
“Gente do sindicato aqui na fábrica?... Como esses caras entraram? Gozado, não está dando pra entender?” 
Em minutos, com os agitadores saindo, o silêncio tomou conta do setor dele com as máquinas todas paradas e o pessoal de braços-cruzados, reunidos aqui e ali em rodinhas sentados pelo chão, – um silêncio ensurdecedor; com um olhando pra cara do outro, claramente perdidos sem saber o que fazer, externando nos semblantes preocupação e receio, com todos calados, sérios e com ar de assustados.
Dali a pouco, apareceu Manoel outra vez.
— Antonio Carlos, a coisa tá feia...
— Como assim?...
— Os caras não querem somente fazer greve. Querem tomar a fábrica. Aliás, já tomaram!...
— No duro?...
— É! Já fizeram até barricada na portaria. Ninguém entra e ninguém sai. A coisa está muito organizada.
— É verdade! – disse ele. Têm gente do sindicato aqui dentro.
— Não sei! Pelo menos eu não vi! Mas uma coisa eu sei, tá rodando um comentário de que enquanto a direção não der resposta às reivindicações eles não irão deixar ninguém entrar na fábrica.
— E o que estão pedindo?
— Um mundaréu de coisas que não dá nem pra entender. Tá muito esquisito esse negócio.
— Como?...
— Ora! Pelo que soube e não é tudo, estão pedindo coisas absurdas, como o dobro do salário, férias em dobro, redução de jornada e por aí afora.
— Caramba!... Não diga?...
— Pra você ver! Tá esquisito ou não tá?
— É!... Também estou achando. E quando a esmola é demais o Santo desconfia. Tem algo curioso nisso.
— Pois é! Mas deixa eu ir. Vamos ver no que vai dar. Tchau!
— Tchau, Manoel!
 As horas foram passando e tudo parado... Pouco antes do horário de almoço, apareceu um sujeito no setor dele, gesticulado e falando aos brados demonstrando satisfação ao falar:
— Pessoal..., podem ir pro refeitório... Hoje o almoço é de graça...
Os operários, na sua maioria, sem julgar a gravidade da coisa, também se manifestam aos berros parecendo brincar:
— Oba!... Oba!...
Dali a pouco, o setor ficou vazio e ele continuou sentado no chão muito apreensivo; de tão compenetrado e preocupado com a situação, nem almoçar foi. Minutos mais, o pessoal, aos poucos, começou retornar do almoço e foram se ajeitando aqui e ali. Enjoado de ficar por ali, ele levantou e foi dar umas voltas... Andou pra cá pra lá e acabou indo ao setor de Manoel e lá o encontrou.
— Oi Manoel, novidades?
— Não! Por enquanto não!
— Como vai ser à noite, hein? Você sabe?
— Como assim?...
— Vão deixar o pessoal da noite entrar ou quê?
Manoel riu:
— Não, meu amigo! Ninguém vai entrar não! Só nós vamos ficar presos aqui. Os caras organizaram tudo direitinho. Nem o pessoal da cozinha pôde sair, portanto, enquanto persistir a grave haverá almoço, jantar e café da manhã de graça aos grevistas.
Começava anoitecer e ele voltou para o setor dele. Ao entrar, viu um sujeito estranho, – alguém que nunca viu – em pé no meio de uma roda de operários falando alto.
— Vamos ganhar a greve, companheiros..., e não confiem em chefe não! Não deem ouvidos pra chefe. Chefe é tudo pelego.
Ouvir o que ouviu lhe deixou preocupado e receoso, afinal ele era um encarregado, todavia, nem cara feia e muito menos voz alta lhe assustava, ao contrário, era como se fosse desafiado, com isso, foi se aproximando da roda para ouvir melhor a conversa.
De braços cruzados observando a pessoa, lhe deu comichão de saber quem era o cara e já foi falando:
— Desculpa, amigo, eu interromper a conversa! Você, por acaso, é do sindicato?
A pessoa lhe olhou com cara de poucos amigos, e num tom nada amistoso respondeu com uma pergunta:
— Por que quer saber?
— Ora! Por nada! – disse ele. É que fui membro do sindicato e nunca lhe vi por lá. Por isso perguntei.
— Não, não faço parte do sindicato não! Sou estudante de filosofia e estou ajudando na organização dessa greve.
— Estudante de filosofia?... E trabalha como peão? Que negócio é esse? Faz tempo que trabalha aqui?
— Não!... Estou aqui a pouco mais de mês. – respondeu e ficou olhando sério pra ele; daí a pouco, voltou. Quer dizer que você foi membro do sindicato?
— É! Fui por algum tempo. – respondeu ele.
— Então, você pode nos ajudar!
— Ajudar?... Ajudar como?...
— Estamos precisando fazer umas molotov e usar caso o exército ou cavalaria resolva invadir a fábrica. Já têm dois juntando garrafas pra isso. E você podia também ajudar juntando e fazendo...
Ele desatou rir achando engraçado o cara lhe pedir o que pedia; era cômico, além de irônico. 
— Ah, amigo, desculpa!... – disse ele rindo. Eu não vou ficar juntando garrafa não.
O sujeito ouviu e com cara de enfezado lhe disse:
— Não quer ajudar, é?... Então, você só pode ser pelego também.
— Que pelego, meu?... Tá louco?... Pode pensar o que quiser, mas eu não vou fazer molotov coisa nenhuma. Pede pra outro e me deixa em paz. – disse isso e foi saindo deixando o sujeito lhe olhando com cara de besta.
A noite caiu e ficou tudo um escuro só, – sem nenhuma luz. A direção da empresa, provavelmente, seguindo orientação dos militares, desligou a energia da fábrica na clara intenção de gerar pânico entre os grevistas. Apesar dos fortes rumores de que pela madruga a cavalaria iria invadir a fábrica, foram se ajeitando aqui e ali, procurando dormir, e ele não foi exceção.
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(*) pelego, assim os sindicalistas na época pretensamente alcunhavam àqueles que, teoricamente, defendiam os patrões e eram contra seus interesses. Identificando-os como a “pele de carneiro” usada na sela dos cavalos para amasiar o assento e que qualquer um senta sobre ele. 
(**) molotov, Bomba incendiária de fabricação caseira, criada pelo russo Molotov; frasco de vidro (garrafa) com combustível líquido sendo fechado no gargalo por um pano onde se ateia fogo; ao ser atirada contra algum alvo, a garrafa se quebra incendiando tudo.  
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 Fim da segunda parte, continua... 
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