EPÍLOGO DO:
O dia amanheceu, assim como foi a noite toda: um silêncio
incrível, porém rodava um clima estranho entre os funcionários. Muitos, só
pelos semblantes, demonstravam insatisfação e desagrado com a situação...
As horas vão passando, e com todos que pôde falar e ouvir, tanto
no seu setor, como nas filas no refeitório e pra baixo e pra cima, a opinião
era uma só: não estavam satisfeitos e nem concordando com a greve. Todavia,
ninguém abria a boca; aceitavam pacificamente, – sem relutar, o que os líderes
da greve impunham e determinavam.
Na opinião de Antônio Carlos, a forma autoritária de imporem suas
determinações era um notório sintoma de que aquela greve não era feita pela
direção do sindicato coisa nenhuma, e sim por infiltração de elementos com
interesses políticos usando os trabalhadores para atingir seus objetivos.
Tudo levava a pensar assim, com sua impressão sendo ratificada
pelo que ouviu daquele sujeito, – do estudante de filosofia.
Como o sujeito podia falar em bomba molotov com tanta naturalidade? Para conhecer
um artefato bélico daquela ordem, só podia ser um agitador destemido, – capaz
de qualquer coisa, que conhecia técnicas de guerrilha e outras mais. E assim
como aquele, devia haver – imaginava – muita gente infiltrada no meio dos
grevistas. O duro era saber quem era e o que pretendiam...
Era uma época confusa, com muitos indivíduos de extrema-esquerda
agindo de forma anônima aqui e ali pelo Brasil afora com sabotagens e atos
ilícitos contra o governo; trazendo, em consequência, mortes e mais mortes,
prisões e mais prisões, que, além não ser clara suas ações e nem divulgadas as
intenções, deixava a população atônita e atemorizada, distribuindo insegurança,
pois não se sabia nada do que pretendiam.
O dia foi passando, e a cada minuto, a cada hora, sua impressão ia
sendo reforçada: aquilo era muito mais do que uma simples greve trabalhista;
tinha algo muito maior atrás daquilo...
A noite chegou enluarada. Com o sentimento claro de que os
operários estavam sendo usados para objetivos políticos, ele já pensou em sumir
dali... Como conhecia muito bem o terreno da fábrica, sorrateiramente, sem que
fosse notado, aproveitando a luz do luar que clareava tudo, ele foi ao um canto
do murro que dava para uma rua lateral e isolada, – muito pouco usada. Lá,
naquele canto de muro, havia diversas tranqueiras empilhadas o que facilitou
ele pular o muro.
Já na calçada da rua, se deu por aliviado, mas isso não bastava e
nem lhe dava tranquilidade. Sabia que se fosse pra casa não ia conseguir dormir
de preocupação. Receava que fosse, pelas autoridades, confundido como um
agitador da greve por ter sido, anos antes, um membro do sindicato. Com isso,
ele não tem dúvida e foi ao sindicato com um único objetivo: destruir qualquer
possível prova que o incriminasse.
Depois de caminhar muito ele chegou e viu alguns na entrada do
prédio conversando; como era conhecido, ninguém estranhou sua presença, assim
ele passou naturalmente pelas pessoas e foi entrando indo à sala onde trabalhou
no passado.
Já no escritório, ele sabia exatamente onde eram arquivados os
documentos dos sócios; mesmo com alguns por lá, ele correu o risco e foi até o
armário onde estava a pasta que continha seus documentos e que eram prováveis
provas contra ele; sorrateiramente, a retirou e simplesmente a colocou de baixo
do braço e foi deixando a sala e o prédio como se nada estivesse acontecendo.
Horas depois, já no quintal da sua casa, ele ateou fogo destruindo
tudo, – até a pasta. Aí sim, ele foi dormir tranquilo, pois sem aqueles
documentos seria muito difícil o identificarem como um grevista e muito menos
como um agitador de esquerda.
O que ele fez foi ousado e indevido, sem dúvida, mas, pra ele, um
ato prudente, pois não podia admitir ser mal-interpretado e correr o risco de
não ter como se explicar.
Dali em diante, com essa lição, e para o resto da vida, ele jamais
quis saber de defender causas alheias, pois, quer queira quer não, sempre
existem por trás os ladinos que usam e aproveitam das situações e das
boas-intenções em benefícios próprios, iludindo, ludibriando, deixando os
inocentes bem-intencionados comendo gato por lebre.
J.R.Viviani
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