19 de fevereiro de 2015

Contos


Prezada leitora e caro leitor, com satisfação lhes apresento outro Conto da minha autoria.
Vamos ao:


Antônio, um sujeito aí com seus trinta e cinco, era uma pessoa extremamente dedicada à vida profissional – ao seu trabalho, e o fazia com tal empenho que não se dava conta do porquê, – da finalidade e do objetivo dessa sua abnegação ao trabalho – para o quê trabalhava tanto, afinal?
Movido pela premente necessidade que sentia de fazer pelos seus – pela encantadora, amável e doce esposa e pela sua adorada e linda pequena filha, parecia um cego – que não enxergava, se entregando ao trabalho com afinco olvidando o mais importante e mais significativo: sua própria família.
Pra ele era natural agir como agia, pois achava que dava tudo dele para o bem delas, entretanto, não era somente disso que elas precisavam: precisavam de mais atenção e carinho...
Não que fosse desatencioso e muito menos áspero ou indelicado no tratamento que dispensava a elas, mas, inconscientemente, achava que fazia de tudo e até demais. Além disso, esquecia-se de si próprio, esquecia que também precisava receber o carinho e a atenção delas, principalmente da filha, pois a via muito pouco ou quase nada durante os dias da semana.
Como saía muito cedo pelas manhãs para o trabalho, a menina estava, com razão, sempre dormindo, e como ele não almoçava em casa, – almoçava no trabalho, tornava sua convivência nula nesses períodos. Nas tardes depois do trabalho, invariavelmente, retornava sempre muito tarde, – já pela noite, com isso, era raro ver a filha, pois, dependendo do horário, novinha como era – com seus quatro pra cinco, ela já estava na cama dormindo ou pronta para dormir e, muitas das vezes, olhando pra ele de olhinhos brilhando, ávida para ganhar seus abraços e beijos de boa-noite.  E assim as coisas iam...
Aos finais de semana, entretanto, era quando ele podia ter e dispensar mais tempo com a menina, – brincar com ela e coisas desse tipo; procurar dar a ela atenção e ser um pai afetuoso, porém, nem isso era por ele aproveitado. Os finais de semana eram, mesmo involuntariamente, ocupados na maior parte do tempo disponível para se deslocar – indo e retornando, com a família a uma chácara que possuíam no interior e quando por lá chegavam, cansado que só ele, não somente pela viagem de horas, mas também pela semana extenuante que o seu trabalho, invariavelmente, proporcionava, não queria outra coisa senão procurar descansar e buscar distração – esfriar a cabeça como se diz, com isso, era como se esquecesse da sua filhinha...
Um dado dia, mais precisamente numa quinta-feira, Antônio, muito animado apesar de tenso por deixar o trabalho antes do término do expediente, foi a uma avícola buscar uma encomenda de “franguinhas” de galinha poedeira que pretendia criar na chácara.
No final do dia – já noite, ele retornou pra sua casa levando no bagageiro da perua um engradado com as muitas “franguinhas” que havia comprado.  Ao chegar, por ser tarde e como iriam sair no dia seguinte logo cedo, indo à chácara, aproveitando o feriado do dia seguinte, ele não quis se dar ao trabalho de tirar o engradado do carro.
Depois de abrir o portão de casa, estacionar e colocar água e ração à vontade pras “franguinhas”, as deixando por lá mesmo, ele entrou e, como sempre acontecia, a esposa já cuidava de acomodar sua filhinha para dormir...
— Oi, querida! disse ele ao entrar no quarto e vendo a filha já cama complementou. Oi, minha queridinha! falou já beijando a menina. 
— Oi, papai, disse a menina sorridente.
A esposa, depois de beijá-lo, interpelou:
— Chegou tarde, querido!
— É!... Cheguei, disse ele.
— E por quê? Aconteceu alguma coisa?
— Não, não aconteceu nada! Esqueceu que fui buscar os “pintinhos”? replicou ele.
— Ah, é! exclamou ela. Havia me esquecido, falou e concluiu falando pra filha:
— Filhinha, o papai comprou “pintinhos” para criar na chácara.
— Pintinhos..., papai? Posso ver? perguntou a menina animada já querendo sair da cama.
— Não, filha! disse ele. Agora não! Amanhã você vê, tá bom?
— Ah..., queria tanto ver, disse a menina em tom de lamento.
A esposa percebendo que ele se mostrava reticente, disse:
— Não, filhinha, já está tarde! Amanhã você vê. Agora dorme com Deus!
Mesmo relutante a menina disse:
— Tá bom, mamãe!
Ouvindo a menina, ele interpelou:
— Agora, papai vai tomar um banho pra jantar. Dorme com Deus! Tchau! falou deu outro beijo na filha e saiu tratando de se cuidar, deixando a esposa ainda acomodando a filha para dormir.
No dia seguinte, ainda pela madrugada, ele levantou para cuidar das coisas que iriam levar à chácara. Depois de tomar o café da manhã, de ajeitar isso e aquilo na perua, de ter mostrado à filha os “pintinhos” e se encantar com a admiração da menina, ele deu partida no carro indo buscar a sogra e o sogro que também iriam juntos.
Momentos mais, estacionou defronte à casa dos sogros e não se animou nem pouco com a sogra falando em voz alta do portão:
— Filha!... Não vão descer?...
A resposta estava estampada na expressão dele, e a esposa não perdeu tempo: abriu a janela do carro respondendo também em voz alta:
— Não, mãe!... Antônio está com pressa. Vê se não demora, por favor!
Vendo a cara de decepção da sogra, ele continuou sentado; só desceu do carro quando a sogra apareceu novamente no portão acompanhada do sogro carregando sacolas e outras coisas mais. Depois de ter ajeitado tudo no bagageiro, da sogra e sogro terem se acomodado, ele deu partida no carro.
Ouvindo os agrados e paparicos desse e daquele, tanto pra filha, pra esposa como pra ele, Antônio seguiu em frente entrando numa e saindo por outra para chegar à rodovia. 
Já rodovia, parecendo estar surdo – nem ouvir direito as conversas, ele dirigia tenso com o espírito afetado pela ansiedade, pois a viagem seria longa e o seu desejo era o de chegar o quanto antes; quando muito podia ouvir com relativa nitidez os comentários animados da sua filhinha falando com a sogra:
— Vó! Papai tá levando um monte de “pintinhos” pra chácara, você viu, vó?
Sem nenhum interesse, muito mal ele ouvia a sogra responder:
— Vi sim, filhinha! Como são bonitos, não?
Sentadinha no banco detrás, entre o sogro e a sogra, a menina continuava falando animada:
— Você viu, vô? Como são bonitos? perguntou a menina toda alegre.
— São bonitos, sim! respondeu o avô em tom alegre. 
Assim foi ele dirigindo e ouvindo isso e aquilo...
Dentro em pouco, para seu espanto, um guarda rodoviário no meio da pista fazia sinal pra ele estacionar. Já assustado, ignorando o que poderia ser, ele foi para o acostamento ouvindo a esposa falando em tom claro de também estar assustada.
— Nossa!... O que será?... Será que você estava correndo muito?
— Não! disse ele. Não estava correndo, falou e inseguro, já no acostamento, desligou o carro aguardando o guarda se aproximar.
Em instantes, o guarda chegou e ele baixou o vidro da janela do carro ouvindo o guarda:
— Bom dia! Seus documentos, por favor!
Sem pestanejar, ele tirou o cinto de segurança e se inclinou para pegar os documentos no porta-luvas; nessa altura, a filha já estava em pé atrás, agarrada ao banco dele, e falou para o guarda:
— O meu Papai tá levando “pintinhos” pra criar na chácara. 
— Ah, é? disse o guarda sorrindo pra menina que continuou falando em tom animado com o guarda...
— É! Ele disse que vão crescer e dar ovinho pra eu comer.
— Não diga? exclamou o guarda se mostrando animado com a menina ou talvez querendo ser simpático a ela; depois, já com os documentos dele na mão se calou; daí a pouco, entregou-lhe os documentos dizendo:
— Obrigado! Dirija com cuidado e faça uma boa viagem!
Depois disso, sem ter muito o que dizer, a não ser agradecer, ele deu partida e novamente pegou a estrada ouvindo a sogra com seus comentários elogiosos dirigidos à filha:
— Tá vendo?... Não fosse essa minha linda, o guarda não ia deixar o papai continuar viagem, não é filha? falou abraçando e beijando a menina e ele, pelo retrovisor, via o orgulho estampado no semblante da menina sorrindo sorrisos encabulados.
Logo em seguida, ouviu a esposa.
— É..., mãe! disse a esposa também querendo claramente agradar a menina. O guarda gostou dela por isso permitiu continuar a viagem, não foi, querido?
Ele não disse nada, ficou calado olhando, vez e outra, pelo retrovisor percebendo o encantamento na expressão da menina. Com isso, somado ao contentamento que reinava, ele começou se questionar do que fazia? O que era mais importante afinal? Chegar logo ou aproveitar os momentos tendo prazer no que fazia? 
Assim, dirigindo calado consigo, ele começou a sentir arrependimento pela pouca ou quase nenhuma atenção que dispensava à sua querida filha, já explodindo dentro do peito o desejo de se redimir; momentos mais, convencido de tal, sem dizer absolutamente nada, ele deu sinal de seta e foi saindo para o acostamento, causando surpresa em todos, é claro, principalmente à esposa.
— Está parando por quê? perguntou ela em tom admirado.
Ele não respondeu; estacionou, desligou o carro, tirou o cinto, abriu a porta do carro, saiu e com a porta aberta, ele disse pra filha:
— Vem cá, filhinha! Venha ganhar um abraço do papai!
Nesse momento, sem se importar com nada e com ninguém, de joelhos no acostamento, ele viu a sua pequena sair do carro sorrindo de encantar e logo, em seguida, pôde abraçá-la sentindo o que era o gosto de gostar...
           
 
*  * *   
Espero que o Conto lhes tenha sido do agrado. Um abraço e até a próxima. 

___________________________________

28 comentários:

Às margens de mim. disse...

Gostar de alguém é um dos melhores sentimentos que podemos ter,principalmente quando se trata de um ser da família, nosso sangue, acalma a alma e traz alegria para nossa vida! É sempre um dos melhores motivos para acordarmos felizes todos os dias!...
AbraçO

Célia disse...

O equilíbrio emocional, a resiliência, o saber valorizar os bons momentos da vida ficaram muito bem evidenciados em seu conto familiar e muito real! O "pai-provedor" muitas vezes se esquece de prover o principal: o afeto com seus queridos!
Abraço.

Cidália Ferreira disse...

Parabéns pelo texto, que nos engrandecem. Adorei

Beijinhos

http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

JAIRCLOPES disse...

Soneto-acróstico
Ao conto

Oblitera afeto muitas vezes, o trabalho
Gente a qual apenas um lado enxerga
Ouve pouco do que há em outro galho
Sem notar que desatenção ali alberga.

Tendo em mente essa veraz alienação
O autor introduz esse inconsútil conto
Domina palavras impolutas como então
E conta história sem acrescentar ponto.

Grande contista nosso Jotaerre escritor
Ousado e com uma criativa imaginação
Seus textos têm mais vida e certo calor
Transportando-nos ao mundo da reflexão.

Assim sem qualquer óbice ou até pudor
Recomendo sempre Vendedor de Ilusão.

Dilmar Gomes disse...

Muito teu conto, amigo JR, sobretudo, pelo final surpreendente.
Um abração. Tenhas uma ótima tarde.

www.elianedelacerda.com disse...

Gostar da família é nobreza de sentimentos, amo minha família, representam diamantes em minha vida!
Lindo final e lindo conto,amigo!
Bjus
http://www.elianedelacerda.com
O carinho é muito importante no relacionamento familiar!

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde, um belo conto de uma ralação familiar que me transporta para dentro dele.
AG

Existe Sempre Um Lugar disse...

Relação*

Rute Beserra disse...

Parabéns pela postagem.
Bjs

Shirley Brunelli disse...

Viviani!!! Juro, meus olhos marejaram com esse final...
Gostei muito.
Beijo!

Laura Santos disse...

O erro de muitos homens (e algumas mulheres), o de pensar que o trabalho é a sua grande obrigação e objecto de dedicação,embora muitos até o façam de forma inconsciente.
Claro que um homem de família deve preocupar-se com a realização de um razoável bem estar familiar, mas isso de pouco servirá, se não existir afecto.
António, ao não ter tempo para si próprio, acabava por não ter tempo para a mulher, e sobretudo para a filha pequena... Felizmente "acordou"!
Levar a vida em desenfreada correria só cria é ansiedade no ambiente familiar.
Não basta ir, apreciemos também o caminho para lá chegar. Neste caso, à chácara.
Um conto do dia a dia, com um final muito ternurento.
Mais uma bela narrativa, com final feliz!
xx

Donetzka Cercck L. Alvarez disse...

Que maravilha de conto com tantas nuances diferentes,querido amigo.

Custei a ler tudo e voltarei para ver melhor,pois estou com problemas sérios para enxergar e preciso mudar de óculos.

Seu blog está na minha lista de favoritos no layout do meu e recebo as atualizações daqui.

Beijos e lindo final de quinta-feira.

Donetzka

Marina Filgueira disse...

¡Hola: Maestro!!!

Fenomenal el cuento como para una buena reflexión.

En la ésta vida, no solo es trabar. También el hombre debe tener tiempo para la familia, para amar, para reír, para cantar. Siempre hay un tiempo para cada cosa: y cada cosa para un tiempo.
Ha sido un inmenso placer.
Te dejo mi gratitud y mi estima siempre.
Un abrazo y se muy muy feliz.

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Nada no mundo vale mais que os preciosos momentos juntos dos nossos amados, e que devem ser priorizados.
Lindíssimo conto J.R.
Abração,
Mariangela

Andreia Morais disse...

O texto está fantástico, parabéns!

r: Concordo totalmente

Anônimo disse...

Mais um belo texto por aqui, aliás como sempre J.R.!
Parabéns!
Ótimo fim de semana desde já!
Abraços

http://simplesmentelilly.blogspot.com.br/

Filha do Rei disse...

É, a vida é tão corrida que podemos esquecer o " gosto de gostar".
Maravilhoso conto.Parabéns!! Tenha dias abençoados.Bjs

Lua Singular disse...

Bom dia,
Ótimo contista.
Nunca esqueça de quem o enalteceu e fez sua estrela brilhar
Abç
Lua Singular

Guaraciaba Perides disse...

Um conto que reflete o cotidiano de muitas famílias...mas foi em tempo, que Antonio percebeu o tesouro que possuía e poderia usufruir, mais do que todo o bem material do mundo, o convívio amoroso com sua família.uma crítica construtiva bem interessante.
Um abraço

Nilson Barcelli disse...

Gosto dos teus contos, porque sabes contar com palavras que transportam sentimentos.
Magnífico, gostei imenso.
Bom fim de semana, caro amigo.
Abraço.

Marta Vinhais disse...

A palavra que me ocorre e ternura...
Devemos valorizar os momentos em familia....
Obrigada pela partilha e tambem pela visita ao meu blog.
Beijos e abraços
Marta

Carmen Lúcia.Prazer de Escrever disse...

Um conto simplesmente maravilhoso como todos que você escreve.
Bjs amigo Viviani,obrigada pela visita e um ótimo final de semana.
Carmen Lúcia.

Agostinho disse...

O António demorou a perceber que tinha uma pintainha a precisar de afago.
Boa estória.

Lu Nogfer disse...

Olá Viviani.

Como não gostar dos teus contos?
Parabens pela tamanha simplicidade em teu jeito de contar e perspicácia no desenvolvimento de cada história o que ja é tua característica nos deixando o gostinho de querer te ler mais e mais.

ps. Muito obrigada pelo carinho, meu querido amigo. Tambem senti muitas saudades mas ja voltei.

Beijos e o meu carinho.

Teresa Isabel Silva disse...

É sempre um prazer vir até aqui e conhecer um pouco mais das suas obras!

Bjxxx

Vane M. disse...

Aplausos Viviani, mais um texto genial. Um abraço!

CÉU disse...

Agradeço o seu comentário no meu blogue, de que muito gostei.

Pelo que já percebi, você é um contista nato, na forma e no conteúdo. Escreve tão à-vontade e de maneira nada coloquial, que nos faz "entrar", também, na história.
Pois é, há sempre um momento no nosso cérebro, que nos faz retroceder/parar. O amor e a atenção que podemos e devemos dar à nossa família tem de falar mais alto.
Vamos sempre a tempo de recomeçar.

Bom domingo!

Marli Terezinha Andrucho Boldori disse...

Boa noite, li sem pestanejar, seu conto é emocionante e nos dá a oportunidade de refletirmos sobre como vivemos nossa vida. Nossa família a base de tudo. Os filhinhos sempre precisam do carinho e apoio dos seus queridos papais. Parabéns! Obrigada por compartilhar conosco. Grande abraço!