12 de março de 2015

Contos

 
Prezada leitora e caro leitor, é com satisfação que lhes apresento outra Conto de minha autoria.
Vamos ao: 


Por vezes, me vêm recordações como se fora cenas nubladas – meio embaçadas, do meu tempo de menino, aí com meus seis pra sete anos talvez, – nem sei direito que idade eu tinha, só sei que me vejo no meio dos adultos sentindo um inefável orgulho ao ouvir os tratamentos carinhosos e atenciosos que dispensavam ao meu querido padrinho de batismo.
Uma pessoa de quem eu gostava por demais, daí a razão de eu sentir orgulho por ele, e como não sentir e deixar de gostar? Não tinha como! Só podia gostar ao ser tratado por ele como eu era.
Lembro-me agora, não em cenas nubladas, mas sim de forma bem clara, dele, sempre sorridente, me pondo no seu colo, acariciando e dizendo palavras entusiasmantes, encorajadoras e amáveis que, já na época, eram de causar acanhamento pelos elogios lisonjeiros além de atenciosos e cuidadosos que a mim ele dirigia.    
Entretanto, apesar disso, lembro-me também do ódio e da ojeriza – verdadeira aversão, que eu sentia de alguns quando zombavam, ironizavam e riam do coitado, tratando-o como se fora um insano ou coisa parecida, – um retardado que fazia coisas inconsequentes e sem sentido, coisas que não é comum ver alguém fazer, a não ser quem tem a bondade encravada dentro do coração alicerçando a alma.
Alguns, quando reunidos conversando, se dirigiam a ele de forma sarcástica e até com petulância dizendo:
— Você é um bobo! Onde já se viu aceitar a miséria de salário que lhe dão? Trabalhar como trabalha e aceitar sem reclamar? – falava a pessoa olhando para o meu padrinho que não retrucava, sorrindo e meneando a cabeça parecendo aceitar ele ficava calado.
Em seguida, entrava outro na conversa comentando também de forma irônica:
— Mas você quer o quê?... O homem é tão bonzinho que dá até comida para os ratos! – falava e todos riam, inclusive o meu padrinho e, por consequência, até eu por ver e ouvir os risos.
Em princípio, eu não entendia o comentário – de dar comida para os ratos, achava que fosse algo figurativo, sabia eu lá? Até que um dia, na casa dele, antes de sairmos não sei pra onde? Vi o padrinho cortando alguns pedaços de pão amanhecido sendo observado pela minha madrinha. Aí fui entender e perceber que ele não era nenhum louco, e sim muito consciente, de um coração sem tamanho e de uma bondade indescritível, quando a madrinha disse a ele:
— Precisamos ir! Vê se termina logo com isso e vamos!
O padrinho sorriu e disse:
— Já estou terminado! Não me afobe!
A madrinha sorriu olhando pra ele de viés.
— Você.., só você mesmo pra dar comida aos ratos. Vê se vai logo com isso, não podemos nos atrasar!
O padrinho sorrindo disse:
— Tá bom! Já iremos! – falou e virou pra mim. Venha comigo! – disse isso e lá fui eu cheio de curiosidade acompanhando e vendo-o com as mãos cheias de pequenos pedaços de pão.
Em instantes, no meio do quintal, ele foi distribuindo, aqui e acolá, os pedaços de pão; depois de mais uns instantes e de ter distribuído muito pão pra cá e pra lá, ele me disse:
— Eles também precisam comer, não é? Afinal, também são obras de Deus!
O que ele disse, no momento, pequeno como era, sem saber julgar e de gostar como eu gostava, despertou o encanto não só com as palavras mas também com sua atitude redobrando a minha admiração, no entanto, ficou-me gravado de tal forma que a toda hora que lembro, inclusive agora, sinto os olhos marejados, por entender, ou melhor, admitir a nobreza dele, já que quem fazia aquilo aos ratos o que não haveria de fazer pelas pessoas?
Era o acontecia com ele! Apesar das brincadeiras irônicas claramente debochadas, não havia quem não gostasse e não tivesse admiração pelo padrinho, por sua bondade, humilde e cuidados atenciosos que dispensava aos seus conhecidos e amigos sem exceção.
A prova de como ele era querido por seus amigos mais íntimos e pelos seus conhecidos, me foi consolidada quando do seu falecimento.
Naquela época os enterros eram feitos a pé, com as pessoas carregando o féretro e sendo seguidas por outras, para fazerem o sepultamento.
Sendo pela mão conduzido e sem entender quase nada do que estava acontecendo, num dado instante, eu ouvi alguém comentar:
— Mas tem gente, hein?...
E outro olhar pra trás e dizer parecendo meditar:
— É!... Têm mesmo!...
O primeiro, também olhando pra trás, voltou comentando:
— Hoje, com certeza, o caixão chega ao cemitério e vai ter muita gente ainda na rua, – falou isso, calou-se e continuou caminhando.
Curioso, por ouvir o que ouvi, virei e fiquei estupefato – admirado, vendo, de um ponto mais alto que estávamos, a longa rua, pela qual seguíamos, completamente tomada de pessoas acompanhando num silêncio marcante e de incomodar; com fisionomias sérias, compenetradas, demostrando tristeza pela perda do querido amigo todos caminhavam cabisbaixos em profundo pesar.
Aquilo foi, pra mim, e hoje é ainda mais, a confirmação do quanto o padrinho era querido e por que não dizer admirado. O que me leva à concluir de que ser querido tem razão de ser...  

* * *
Espero que o Conto lhes tenha agradado.
Obrigado a todos e até a próxima!
__________________________

29 comentários:

Dilmar Gomes disse...

Caro amigo JR, realmente nossa memória guarda de forma indelével acontecimentos e imagens da nossa época de criança. Entendo, perfeitamente, vosso apreço e carinho pelo vosso padrinho, sobretudo em face das atitudes comportamentais do nosso tempo, em que o indivíduo está concentrado no próprio umbigo, onde não há espaço para a solidariedade, hospitalidade, urbanidade, solidariedade...
Um abração. Tenhas um ótimo dia.

JAIRCLOPES disse...

Soneto-acróstico
A JR

Já o lemos com admiração superlativa
Raramente um conto humanista assim
Como a ilustrar sua personalidade viva
O autor enaltece seu parentesco a fim.

No conto o seu padrinho é tão querido
Tendo na sua vida mostrado a que veio
Ainda que mofado as vezes tenha sido
Um dia, morto, ele conquistou lisonjeio.

Mas, de Jotaerre já esperávamos isso
Conta com competência esses contos
Ora nos faz pensar pois não é omisso.

Nem sequer acrescenta alguns pontos
Tem seus tópicos estocados no toutiço
Objetivo, seu texto não tem confrontos.

Cidália Ferreira disse...

Boa tarde Viviani

Parabéns pelo belíssimo texto! Asdorei ler

Beijo

http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

Graça Pires disse...

As memórias da infância e dos afectos num texto cheio de sensibilidade.
Abraço.

Guaraciaba Perides disse...

Ao longo de minha vida conheci pessoas bondosas assim, mas de fato são pouco compreendidas...entretanto, são sempre amadas pois representam um ideal de comportamento para o qual a sociedade ainda não está preparada.A humanidade sabe reverenciar a bondade de alma.
Bonito conto!
Um abraço

MARILENE disse...

Pessoas boas costumam ouvir comentários tidos como nada lisonjeiros por quem os presencia, eis que alguns as têm como bobas. Mas viver dignamente é motivo de aplausos.
Essas lembranças da infância incorporam e nunca nos abandonam.

Carmen Lúcia.Prazer de Escrever disse...

Lindo conto como sempre que você nos compartilha.
bjs amigo Viviani.
Carmen Lúcia.

Elvira Carvalho disse...

É amigo a minha avó sempre dizia. "Amor com amor se paga"
Um abraço e bom fim de semana

CÉU disse...

São aquelas lembranças de que nunca nos esquecemos.
Seu padrinho era mesmo muito boa pessoa. Está no paraíso, só pode.

Abraços.

Lua Singular disse...

Oi Viviani
Saudades de você
Seu conto é lindo demais, bem ao meu tempo de criança quando os caixões eram
levados à igreja para o padre benzer e depois seguia pelas ruas da cidade até o cemitério.
Beijos
Lua Singular

Labirinto de Emoções disse...

Olá Vivian
Bonito conto e bonita homenagem.
São estas lembranças boas e estes momentos bonitos que formam os seres humanos que hoje somos.
Parabéns, gostei muito.
Um beijinho.
Teresa

Laura Santos disse...

Um conto comovente!
Seu padrinho era um santo homem e verdadeiramente inspirador, um ser de alma tão grande que não conseguia nem deixar os ratos de fora da sua bondade!...Raramente encontramos pessoas assim; cuja humildade e bondade, as faz descentrar de si mesmas para se centrarem nos outros, e é nessa ida de encontro ao outro que o verdadeiro Amor acontece.
Não admira que tivesse tanta gente a acompanhá-lo à última morada, já que ele tinha mesmo ficado a morar no coração dos que ficaram.
Gostei muito! Muito eloquente e ternamente escrito.
xx

Shirley Brunelli disse...

Ah! Viviani... Ontem fui trocar o óleo do meu carro e lá na Agência, viram que o filtro do ar condicionado estava comido por rato... Foi um rato preto, eu vi...Moro numa chácara e... bem... O meu coração dói e até choro, mas, apesar de amar os animais...não posso deixar que...
Seu padrinho era um ser corajoso e único.
Beijos!

Marcia Pimentel disse...

Olá, Viviani!

Obrigada por compartilhar esse lindo texto. Adorei a história.
Bjo.

Célia disse...

Um conto do passado que transporto para o presente: - Como damos comida, sustento até hoje a ratos corruptos em nosso país!? Ter o reconhecimento por uma "pessoa boa" só depois de seu falecimento, é triste. Respeitemos as individualidades e demonstremos nosso afeto em vida. A inocência de uma criança visualizava o "bom homem" em seu padrinho! Anjos!
Abraço.

Poções de Arte disse...

Encheu meus olhos de lágrimas.
Lembrei do meu avô paterno que partiu qdo eu tinha 6 anos.
Pessoas boas que com seus gestos, não precisam colocar palavras. Deixam lições cravadas em nossas memórias e corações e acredito que essas lições nos moldam.

Belíssimo, parabéns!
Abração e lindo dia.

Poções de Arte disse...

PS: Amei o acróstico que recebeu.
Abração.

Unknown disse...

Bom dia
Agradeço a visita em Lidacoelho

Gosto de ler as suas prosas escritas.Todos conservamos as nossas memórias mas nem sempre sabemos descrevê-las como se descrevem os sonhos.

Sempre ouvi dizer que o valor de um homem se mede pelo numero de amigos que cultivou e conservou durante a vida.

www.elianedelacerda.com disse...

B R A V O!
lindo texto!
Há pessoas maravilhosas, gosto de lembrar de minha infância, pois reencontro com atitudes tão meigas, tão carinhosas dessas pessoas, que estavam comigo em minha infância, quero acreditar sempre no ser humano, não podemos perder a esperança de que das melhores virão para todos!
Linda homenagem,amigo poeta!
bjus
http://www.elianedelacerda.com

Magia da Inês disse...

ه°·هჱ⊱
Amei ler esse texto... esse amor, essa caridade é o que falta hoje em dia!...
Mais pessoas como seu padrinho e o mundo estaria melhor!!!

Ótimo sábado com tudo de bom!
Bom fim de semana!
Beijinhos.
ჱه° ·.

Tunin disse...

Um conto sensível que abre o desejo de lê-lo.
Abração.

Marta Vinhais disse...

Há pessoas que têm realmente um coração grande e tem tempo e espaço para todos...
Adorei cada palavra...Obrigada pela partilha e pela visita.
Beijos e abraços
Marta

Andreia Morais disse...

Fantástico conto, adorei!

r: Muito, muito obrigada*

A Palavra Mágica disse...

Um conto cheio de imagens, lindo. Dá para ver cada cena narrada. Parabéns
Viviani!

Um abraço!
Alcides

Rute Beserra disse...

BrAVO, poema para ser aplaudido de pé. Parabéns. Beijos

Araan disse...

SUPER POEMA, BEIJOS.

Vanuza Pantaleão disse...

Esse conto é para refletir...e muito.
Adorei!!!

allmylife disse...

Que belo conto, conheci apenas duas pessoas assim em bondade: minha vó e um querido amigo que também lembra que esses pequenos seres são obras de Deus! Suas palavras me fizeram recordar dos dois...

Leila Bomfim disse...

Olá Viviani. Obrigada pela visita em minha página, é sempre um prazer recebê-lo. Seu conto me fez voltar ao passado, vasculhei em minha bagagem pessoas queridas que cruzaram a minha vida e que há tempos não vejo...beijo grande...