O melhor amigo
(gravura feita por Taciane, filha do autor aos
seis anos) |
Aos cinco anos de
idade, Lázaro ganhou um cãozinho de presente de sua tia paterna. Era um
vira-lata branco com uma mancha vermelha na testa, lembrando ligeiramente um
coração. Logo o chamou de Garantido, uma referência ao boi-bumbá do qual era
torcedor, mas também o apelidara de Manchinha. Como ele era filho único, dizia
para todos que o cachorrinho era seu irmão. Os dois cresceram juntos brincando
e passeando. Nunca ficavam muito tempo sem se ver, pois moravam numa pequena
cidade interiorana, onde tudo era perto.
Quando ia para
escola, seu amiguinho o seguia e o esperava ao redor do colégio próximo da sala
de seu dono. Ao término da aula, eles se encontravam e seguiam o trajeto de
volta para sua casa, cerca de dois quilômetros de distância. Seu pai trabalhava
a duas quadras de sua casa, em sua loja e oficina de bicicleta. Sua mãe
lavava e costurava roupa para fora para ajudar na renda da família. À tarde,
Lázaro ia à oficina de seu pai ajudá-lo em pequenos serviços e sempre
acompanhado do seu fiel amigo Manchinha. Depois ia jogar futebol com os primos
e amigos num campinho de várzea que ficava no subúrbio da cidade. Ás vezes,
quando a comida estava escassa, e como sua mãe o vigiava para não dar sua
refeição quase toda para o canídeo, a última porção ele guardava nas bochechas
para dar sorrateiramente para seu amiguinho.
Passou-se um
quinquênio, agora Lázaro estava com dez anos e Garantido, com cinco, já adulto,
mas sempre brincalhão com seu pequeno dono. Eles tinham uma afinidade fraterna
como nunca se observou na relação entre um humano e um animal: jamais um se
aborreceu ou se impacientou com o outro. Se os cães da vizinhança queriam
atacá-lo, seu amigo humano o defendia com pedradas e pauladas. Quando Lázaro
também ficou adulto, arranjando, assim, namorada, Manchinha o acompanhava e
tolerava bem sua companheira, porque entendia que ela o fazia feliz. Mas se
alguém ameaçasse seu dono, ele se transformava em uma fera terrível.
Certa feita, numa
partida de futebol, numa disputa de bola com um adversário, Lázaro se machucou
e, Garantido vendo aquilo, interpretou que ele estava sendo agredido, não
perdeu tempo e foi defender seu dono-irmão: desferiu-lhe uma mordida puxando-o
pela chuteira esquerda o algoz de cima de Lázaro. Ele tinha pena dele porque
nunca procurava outros cães nem cadela no cio na vizinhança, mas ele, através
dos amigos, encontrava-as e levava para ele acasalar no quintal, longe de
concorrentes. Ele era tão acostumado com seu amigo humano que só comia se fosse
servido por ele.
Numa ocasião, Lázaro
foi à Capital fazer o vestibular e teve de ficar três dias. O Garantido ficou
muito triste: notava-se observando suas orelhas murchas, cauda entre as pernas,
olhar de súplica; não comia, somente bebia água, tamanho era o banzo pelo amigo
e dono.
Apesar de eles
serem adultos, continuavam com as mesmas brincadeiras de quando eram jovens:
perseguirem um ao outro, jogar um graveto para ele ir pegar, sentar, fingir de
morto e brincar com bola. Num fim de tarde de verão ensolarada, após o trabalho
com o pai, Lázaro, como de hábito, foi jogar bola (futebol) com seus amigos e
parentes. Numa jogada, ganhou a bola do adversário no meio do campo e disparou
em velocidade rumo à trave adversária, mas no meio do percurso, parou,
acocorou-se com a mão direita no peito esquerdo, baixou a cabeça para frente...
Vendo isso, Garantido correu até o amigo (foi o primeiro a chegar), ele ainda
afagou sua cabeça com a mão esquerda, grunhindo e lambendo sua face, mas ele
foi desfalecendo até cair para o lado esquerdo, onde estava o cão tentando lhe
socorrer. Então chegaram todos tentando, em vão, reanimá-lo com tapinhas no
rosto e chamando pelo nome, mas sem resposta. Enquanto isso, Manchinha saiu a
mil por hora em direção à loja do pai de Lázaro, chegando também primeiro
novamente. Ao chegar lá, olhando para o genitor de seu dono latindo com um tom
de lamento e olhando para trás; voltou um pouco; ele não demorou muito para
perceber que havia alguma coisa errada. Seguiu-o de bicicleta por três
quarteirões, onde encontrou seu sobrinho de motocicleta que contou o
acontecido. Já o havia levado ao pronto-socorro, porém estava sem vida.
Foi uma tristeza
muito grande não só para a família, mas para toda a cidade, pois quase todos se
conheciam pessoal ou indiretamente. Foi feita autópsia. Descobri-se que sua
“causa mortis” foi insuficiência cardíaca provocada pela Doença de Chagas. Os
médicos pediram ajuda da capital para saber a razão do contágio. A universidade
federal mandou uma junta médica e pesquisadores para investigar. Pesquisaram os
hábitos alimentares da população da cidade. Descobriram que o rapaz contraiu a
doença por ingestão de açaí, uma fruta típica da região amazônica. Os médicos
indagavam como uma doença típica da região Nordeste estava infectando na
localidade. Mas logo, logo chegaram à conclusão: o bicudo barbeiro vive
naturalmente no cacho da palmeira e é hospedeiro do “trypanosoma cruzi”, o
protozoário vetor da doença, que é expelido pelas fezes e urina do inseto. Até pouco tempo, o preparo da fruta era feito
por meio de fervura para amolecê-lo e, consequentemente, matava o protozoário;
agora a fruta é triturada numa máquina industrial, e, portanto, não requer
aquecimento, mantendo, assim, o vetor da doença vivo.
Passou-se algum
tempo, a mãe de Lázaro lembrou-se do cachorro, visto que ele era considerado o
filho mais novo da família, porém, na aflição da perda do filho, esqueceram-se
completamente dele. Saíram inquirindo todos buscando seu paradeiro, visto
que era conhecido por praticamente toda população da cidadela. O pai de Lázaro
se lembrava dele somente quando foi ao seu encontro pedindo ajuda. Soube
que ele acompanhou seu dono sem vida desde o trajeto do hospital até o velório.
Naquele, ficou deitado embaixo de um jambeiro próximo; neste, ficou arrodeando
o leito de morte, algumas vezes, furtivamente, ficou até embaixo, mas não
souberam do seu paradeiro. Todos da família queriam vê-lo porque o Garantido
trazia, por força de hábito, a imagem e lembrança do ente perdido.
No sétimo dia de
morte de Lázaro, numa manhã ensolarada, seus familiares foram visitar o
sepulcro levando flores e velas. Ao se aproximarem do túmulo, tiveram uma
grande surpresa: o Manchinha estava deitado, com a cabeça encostada nas patas
dianteiras e com orelhas murchas, rabo curvado ao redor do corpo, olhar
taciturno e corpo esquelético em cima da lápide. Todos deram um sorriso forçado
e triste e depois choraram copiosamente. Ele levantou um pouco a cabeça, deu um
ulo plangente e abanou o rabo, a partir do meio, com meneio sutil e tornou à
posição anterior.
★ ★ ★ ★ ★
Bento Sales
Direitos Autorais Reservados
®
* Clique na foto e conheça o blog do autor.
______________________________________________________________________________
24 comentários:
Oi Bento.
Que conto emocionante e ao mesmo tempo triste."Mais vale um cão amigo do que um amigo cão".
Que final triste para o cachorrinho, com certeza irá morrer de saudade do seu dono.
O que se conclui com isso: que jamais teremos um amigo como esse cãozinho, pois a maioria dos "amigos" nem vem nos visitar quando estamos doentes, mesmo sendo avisados.
Maravilhoso e comovente conto
Parabéns Bento
Beijos
Lua Singular
Que conto perfeito! Um cão é sempre um bom amigo. Está presente em todos os momentos.
Vou conhecer o Blog do Bento.
Beijos.
Olá Bento!Que lindo conto!Me faz lembrar de um cãozinho tão fiel como esse e que se foi aos 17 anos de idade.Seu nome Snoopy.
Parabéns!
Carmen Lúcia
Una maravilla de cuento donde ese perro nos llena de emoción, tristeza y ternura.
Precioso Cuento.
Un abrazo.
Muito bom. Carregado de emoção, e tristeza, porém uma história absolutamente verosimil. Há pouco tempo um cão esteve vários dias à chuva e ao frio à porta dum centro médico onde a sua dona tinha ido ao médico, e onde morreu, nesse mesmo dia. Os animais são assim. Quando amam é incondicionalmente. Gostei muito. Parabéns
Olá Bento! Que belo, e triste, quando acabei de ler minhas lágrimas não se conteram, fiquei emocionada com a triste história de Lázaro, e de seu cão.
Parabéns!Um conto triste mais ao mesmo tempo emovionante.
Abraços
Maria Machado
De fato escreves muito bem!
Adorei seu cantinho!
Segue-me ?
beijos!
<3
Estou impressionado com teu talento, assino embaixo todos os comentários acima e deixo o singelo convite para que conheças também meu espaço...forte abraço!
www.paullolenore.blogspot.com
Muito lindo e comovente. Os animais sentem iguais a nós, humanos, possuem sentimentos muitas vêzes mais sinceros do que muita gente. Eu sei de inúmeros casos de animais que tem a mesma atitude deste, em que ficam a morar no cemitério junto com o seu dono, e não são só cachorros mas gatos e cavalos também. Um abraço para ti Bento.
Suzana (www.sfersete.blogspot.com.br)
Os caes sao muito carinhosos e se apegam com o ser humano!É muito triste qundo um deles perde o dono.
Otimo e emocionante conto.
Muito bem construido.Parabens!
Abraços!
Bento!
Sua sensibilidade e maestria com as palavras desde há muito nos encanta. Associado à Taciane, completa-se perfeitamente! Parabéns!
Bjs. Célia.
Os animais são amigos do mais verdadeiro que há, e amigos para a vida!
Eu também gosto muito de cães, recordo muitas vezes com saudade os amigos de 4 patas que tive e que já partiram...
O conto que aqui deixa é bem real, uma história assim é perfeitamente possível.
Abraço!
Meu querido amigo, vi seu recado no blog, perdoe-me a demora a vir visitar-te, é porque estou com problemas coma minha internet, vim em uma lan house para entrar no blog rapidinho. Os autores estão de parabéns. Beijos!
Olá, amigos!
Quero lhes agradecer sobremaneira pelas visitas, comentários, encômios e carinhos dedicados a mim em virtude do conto e de minha participação neste evento, que o anfitrião é nosso grande amigo J.R.Viviani, cuja a organização está excelente, começando pela participação de autores geniais, o que me deixou regozijante.
Realmente o conto é emocionante, no entanto, é uma ficção; também não é baseado em fato ou história de alguém. Quando o publiquei em meu blog, devido à grande comoção por parte dos leitores, tive que lhes explicar que se trata de uma história fictícia.
Penso que, de quando em vez, precisamos de uma certa dose de reflexão sobre a vida e de emoção.
Muito obrigado por tudo e também parabenizo todos os colegas participantes pelo magnífico trabalho publicado aqui!
Abraços fraternos.
Olá Bento, o seu conto é espetacular!! Emocionante!Esse amor incondicional de um cão o seu dono é verdadeiro. Bravos!!Deixo meus aplausos!!Beijos!
OI BENTO!
CONFESSO QUE CHOREI.
COMO NÃO SE EMOCIONAR DIANTE DE UM AMOR TÃO GRANDE COMPLETAMENTE DESTITUÍDO DE QUALQUER TIPO DE INTERESSE, APENAS AMOR, NA SUA FORMA MAIS PURA.
LINDO!
PARABÉNS AMIGO.
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Todas estas histórias de cães me fazem chorar, sou muito emotiva quanto a isto!
Este belo conto demonstra o quanto um cão é fiel ao seu dono!
Um conto sublime que eu adorei ler!
Aplausos!
Uma história emocionante, Bento.
Alguma ligação deste personagem com o Lázaro bíblico? Esse final me fez lembrar disso.
Parabéns, meu amigo, pela excelente participação.
Abraços
Rosa Mattos
Vim te buscar para tomar um cafezinho comigo ,no Folhas de Outono!
Lugar de aconchego e carinho,te aguardo !
Bjs com sabor de convite !!!!!!!!
Uma história comovente mas muito bem elaborada e que nos prende a atenção o tempo todo.
Encontramos pessoas amigas dos animais e animais que são extremamente dedicados aos seus donos.
Olá...fiquei emocionada com seu trabalho.
Parabens..
vera portella
Bom dia
Texto magnífico e reflexivo
Abraços
Cristovam
Olá, estimado amigo Bento!
Mais uma brilhante participação tua nesses eventos literários.
A tua narravita está muito bem escrita e descrita, mostrando cada ação e cada personagem , de uma forma muito real.
Os animais são os nossos melhores amigos. Mais uma vez se deu razão à frase, tantas vezes ouvida e lida.
PARABÉNS PELO TALENTO!
Abraço da Luz, com estima.
Olá, Bento.
Belo e emotivo conto.
Creio que muitas amizades verdadeiras são assim mesmo, para a vida toda.
Abraço.
Postar um comentário