"A TURMA DO BARREIRO."
Editora: Clube de Autores.
2ª Edição, 2001.
ISBN: 978-85-912892-7-1
Nº de páginas: 334
Sinopse:
Este
livro, o primeiro de uma trilogia denominada: “Uma vida...” que conta a
história da vida de uma pessoa desde sua infância até a idade adulta, narra,
nessa primeira fase, a infância de um menino com suas peripécias, estripulias,
travessuras, alegrias e contentamentos, assim como suas ilusões, sonhos e
fantasias; mas principalmente seu desalento pelo desafeto dos pais que marcou
progressivamente sua infância provocando frustrações e desencantos, que carregou
para o resto da vida. Discorre sobre seu relacionamento com outros meninos
menos favorecidos e sobre os fatos vividos numa época de costumes, de condições
e de oportunidades totalmente distintos dos da época atual, – desfavoráveis sob
alguns pontos de vista, mas de condições privilegiadas em relação a outros. Que
nunca mais serão iguais pela própria força do progresso e que, pela própria
natureza, jamais voltarão. Serão sempre, até o fim de sua vida, – más ou boas –
meras recordações. E tenta, com isso, mostrar como os adultos, de uma forma ou
de outra, podem influenciar no caráter e na personalidade de uma criança,
oferecendo mais ou menos condições para que enfrente o desenrolar de sua vida
futura...
Primeiras Páginas.
Capítulo I
Amanheceu e o nosso personagem, – um menino esguio, de cabelo castanho-escuro ondulado, quase crespo, de pele clara e de olhos castanhos, – ainda dorme.
Com o ruído da rua, acorda e ainda muito sonolento, – com a preguiça tomando conta – fica espreguiçando, até lembrar de que não tem que ir para a escola: já são férias e, quando esse pensamento vem, toda preguiça desaparece. Fica animado e com certa razão, pois, com seus dez anos, tudo o que mais quer e deseja é ficar bem longe da escola.
Havia terminado o terceiro ano da escola primária, – feliz por ter passado no exame final, sem dúvida, porém, ao mesmo tempo, muito chateado, preocupado, com receio e até com vontade de ter repetido o ano, pelo simples fato de que, por ter passado para o quarto ano, sua professora não seria mais a mesma, – seria outra, não seria mais dona Cida: moça rígida, às vezes até severa, porém, além alegre e disposta, muito paciente, atenciosa e gentil, tratando a criançada com docilidade e amabilidade ao ensinar ou ao fazer suas cobranças, e que sempre inspirava segurança, respeito e admiração.
Não se conformava – entrava na sua cabeça – que ela não seria mais sua professora. Era difícil aceitar e acostumar-se com aquela realidade. E a sua nova professora: dona Helena, só pelo que comentavam na escola, por ser muito dura com as crianças, sem nenhuma paciência – ruim de fato, já lhe punha muito medo antes mesmo ser aluno dela; só de vê-la pelos corredores já tremia, sentindo aversão. Queria distância dela, evitava até passar perto...
Uma senhora alta e magra, rosto afilado, feição pálida, abatida, de cabelos pretos, longos e lisos, – já meio grisalhos junto à testa; sempre vestida de preto e aparentando brutalidade no olhar, deixando de transmitir o que toda criança precisa: afeto, carinho, atenção e paciência. Ao contrário, irradiava, sim, muito medo; não se via sequer um sorriso nos seus lábios, sempre de cara amarrada, – olhando feio...
Isso era mais do que suficiente para tirar dele qualquer desejo de ir para a escola, mas, enfim..., eram férias e essa preocupação podia ficar para depois.
Capítulo II
Ainda na cama, – curtindo a sensação gostosa de liberdade – percebe que está sozinho. Seu irmão mais novo e seus pais não estão, – todos dormem no mesmo quarto.
O quarto está escuro; escuridão quebrada somente pela luz que entra pelas frestas da veneziana. Sua cama ficava encostada à parede e embaixo de uma janela. Deitado, passa observar o facho de luz que penetra pelas frestas da janela e clareia a escuridão do quarto, fazendo com que as partículas suspensas no ar, – iluminadas – pareçam dançar; movidas por uma leve brisa, se movem rápido e agitadas, e quando a brisa diminui, entram num ritmo mais cadenciado e lento agradando sobremodo. Absorto, como que sonhando, olhando o facho de luz que ilumina as partículas no ar; ouve os ruídos da rua e o som dos pardais, – não sabe que horas são, mas, com certeza não é muito cedo. Talvez sua mãe não o tenha acordado para evitar que importunasse ou, por ser férias, ficando na cama daria menos trabalho.
Dudu – como era conhecido e chamado – morava numa venda, antigamente conhecida como armazém de secos e molhados, onde o pai tocava o negócio para o avô. Prédio antigo de construção típica dos antigos mestres italianos, que ficava numa esquina; mal conservado, com as paredes mostrando, em pontos, o reboco caindo e a pintura por fazer. Nesse prédio, e anexo à venda, ficava sua casa.
Nos fundos da venda, três cômodos: sala, quarto, cozinha e uma varanda; da varanda podia-se ver o quintal. Nele, do lado esquerdo: a construção do vizinho e um pequeno barracão; do direito, – do lado da rua, um muro alto. Quase no meio do quintal, um poço; nos fundos a latrina, – não existia banheiro e nem água encanada. Do lado do poço, um pequeno gramado usado para quarar roupas e do lado dele, – no muro da rua – um portão alto, de duas folhas de madeira grossa, dava acesso à rua.
Era a década de sessenta e o local uma cidade do interior fundada por imigrantes italianos, – de quem era descendente.
Nessa época as ruas muito raramente tinham calçamento, a maioria era terra e quase sempre sem iluminação. Nas noites enluaradas, – pela falta de iluminação e pelo silêncio – a luz do luar, além de iluminar deixando sobras pelo chão, pelo menos pra ele menino sensível como era, enchia o ar de poesia, inspirando calma e paz...
É fim de novembro, – o verão ainda não chegou, mas os dias já são muito quentes. O calor que já faz logo pela manhã e a ideia de buscar algo, o impedem de continuar na cama; com a sensação de estar perdendo alguma coisa, rapidamente se troca e vai se lavar.
Como sua casa não tinha banheiro interno, o jeito era se lavar em uma bacia de alumínio, – velha e toda amassada. O difícil era puxar água do poço: o poço era muito fundo e o peso do balde na carretilha era demais para os braços finos dele, – um verdadeiro sufoco! Mas enfim, depois de muito esforço, até com os braços doendo, em cima do próprio poço, enche a bacia e se lava. Escovar os dentes era coisa rara; ninguém o orientava ou cobrava, então, o mais fácil era não fazer. Isso, evidentemente, mais tarde, trouxe sérios problemas por razões óbvias.
Logo a seguir, afoito, toma seu café preto rapidinho e sai, – como habitualmente fazia – com um pedaço de pão na mão.
Capítulo III
Do outro lado da rua, na outra esquina, ficava a quitanda do Seu Chico.
Senhor dos seus sessenta, por aí; gordo, barrigudo, não muito alto, rosto rosado, cabelos lisos brancos como a neve; grossas sobrancelhas e cara de bonachão; sempre vestido com avental azul-claro, – desses usados pelos comerciantes, com manga curta, bolsos grandes e pouco abaixo da cintura; era um senhor muito bondoso, com isso, muito querido por todos, não só pela bondade, mas também, pela simpatia e franqueza que irradiava...
E era nessa calçada, – na calçada da quitanda do Seu Chico – onde as coisas se iniciavam. Era onde a molecada se reunia – o ponto de encontro – para depois então, as coisas acontecerem.
Com calor que lá pelas dez horas já fazia; a sombra gerada pela posição do sol deixava a calçada fria, quase gelada, onde ele adorava ficar sentado sentido o frescor da sombra na pele esperando pelos amigos que, com certeza, viriam. Ninguém da turma usava sapato ou qualquer tipo de calçado, – estavam sempre descalços; calça curta ou calção, quando muito, uma camiseta ou uma camisa. E não só pelo calor, assim como também não era moda, era sim, falta de dinheiro, – os tempos eram outros...
3 comentários:
Seu entusiasmo é contagiante, fico feliz por você estar bem.Seu blog é o primeiro que seguirei, e serei um multiplicador.
Com a ajuda das minhas filhas (coisas de velho que devagar vai se ligando nas modernidades)me tornarei um membro.
Tudo de bom.
Roberto
Gostei do que li.
Vasto acervo!
abçs e paz.
Entrei aqui por curiosidade já que Barreiro é o nome da cidade onde nasci. Gostei do que li. Tudo de bom para si. Desejo-lhe o maior sucesso.
Um abraço e uma boa semana
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